Foto: Reprodução/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Amazonas
O Teatro Amazonas, inaugurado em 1896 em Manaus, é um símbolo do auge do ciclo da borracha na Amazônia. Construído em um período de grande prosperidade, o teatro transformou a capital amazonense, trazendo para cá a arquitetura e a cultura europeias.
O salão nobre, com sua decoração rica e cheia de significado, logo se tornou o ponto de encontro da elite amazonense. Ali, em festas, recepções e saraus, os barões do látex exibiam sua riqueza e refinamento.
E foi nesse contexto que surgiram os painéis decorativos do salão nobre. Diferentemente das alegorias mitológicas presentes em outras partes do teatro, essas obras focam na beleza da natureza amazônica, com paisagens, rios, aves, flores e animais da região.
A representação da floresta e das águas, adaptada à estética europeia, mostrava uma tentativa de aproximar a Amazônia do ideal de civilização e modernidade da época. O projeto foi coordenado por Crispim do Amaral, que convidou o pintor italiano Domenico De Angelis para criar as pinturas.
De Angelis produziu onze painéis em Roma, que foram então instalados no salão nobre, seguindo um programa iconográfico detalhado aprovado pelo governo do Amazonas. As telas, conhecidas por títulos como Borboletas Azuis, A Ponte, As Garças, O Crepúsculo e Pescaria no Amazonas, retratam a paisagem amazônica emoldurada por “janelas” que criam a ilusão de paisagens abertas.
O conjunto de painéis apresenta uma visão idealizada da região, com uma Amazônia pacífica, fértil e luminosa. A ausência de representações de povos indígenas e a presença de figuras idealizadas, como Ceci e Peri (personagens inspirados na ópera O Guarani), reforçam a ideia de uma natureza transformada e integrada ao projeto de civilização.
Segundo a antropóloga Ana Maria Lima Daou, em seu artigo ‘Natureza e civilização: os painéis decorativos do Salão Nobre do Teatro Amazonas’, as pinturas expressam a tentativa da elite de conciliar natureza e civilização. A flora e a fauna locais são retratadas sob a perspectiva romântica europeia, transformando a paisagem em um símbolo de identidade e progresso.
Os painéis também refletem o pensamento da época, influenciado pelo positivismo e pelo romantismo, que valorizavam a natureza como parte da identidade nacional. Os rios, a floresta e o céu equatorial formam um cenário harmonioso, que simboliza o equilíbrio entre o homem e o ambiente tropical.
Um dos painéis mais emblemáticos é o Painel do Vapor, que retrata um navio a vapor navegando pelo rio Amazonas. A cena simboliza o progresso, o comércio e a abertura do rio à navegação internacional em 1867, um evento crucial para o desenvolvimento econômico da região.
Além da estética, os painéis tinham uma função simbólica e política: projetar uma imagem positiva da Amazônia para o mundo. Em um período em que a região era vista com desconfiança devido a doenças tropicais e ao isolamento, os painéis funcionavam como uma propaganda visual de uma terra rica e promissora.
A inauguração oficial do salão nobre, em 1901, consolidou o Teatro Amazonas como o centro da vida social e política de Manaus. Os eventos realizados ali reuniam autoridades, empresários e artistas, e eram amplamente divulgados pela imprensa local. Os painéis de De Angelis criavam um ambiente que unia o luxo europeu à exuberância tropical.
Hoje, mais de um século depois, os painéis do Salão Nobre do Teatro Amazonas continuam a encantar e inspirar. Suas imagens condensam o espírito de uma época e representam a idealização da Amazônia e a tentativa de traduzi-la segundo os padrões europeus de beleza e progresso.











