18 de outubro de 2024

Substituição da Vacina Oral pela Inativada na Prevenção da Pólio: Proteção Ampliada

Na América Latina, pelo menos 14 países já fizeram a mudança

As icônicas gotinhas que contribuíram significativamente para a erradicação da poliomielite no Brasil estão se despedindo, e a substituição da vacina oral pela versão inativada representa um aumento na proteção para os brasileiros.

Em um anúncio feito em 7 de julho, o Ministério da Saúde comunicou que, a partir de 2024, a vacina oral poliomielite (VOP) será gradualmente substituída pela versão inativada (VIP) do imunizante. A decisão, respaldada pela Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), baseia-se em novas evidências científicas que atestam a maior segurança e eficácia da VIP.

É importante destacar que, apesar dessa mudança, o Zé Gotinha, símbolo histórico da importância da vacinação no Brasil, continuará a desempenhar um papel fundamental na sensibilização de crianças, pais e responsáveis, participando das campanhas de imunização do governo.

A poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, é uma doença grave que pode deixar sequelas permanentes, incluindo paralisia nas pernas e nos braços, exigindo o uso de cadeira de rodas e outros dispositivos de mobilidade. Além disso, em casos graves, pode levar à morte por asfixia, devido à paralisia dos músculos responsáveis pela respiração. Durante os surtos da doença, pessoas com casos graves eram frequentemente hospitalizadas e necessitavam de respiradores mecânicos.

A partir dos 2 meses Atualmente, a vacinação contra a poliomielite no Brasil é realizada com três doses da VIP aos 2, 4 e 6 meses de idade, além de duas doses de reforço da VOP, administradas aos 15 meses e aos 4 anos.

A partir do primeiro semestre de 2024, o governo federal irá orientar uma alteração nesse esquema, eliminando as duas doses de reforço da vacina oral e substituindo-as por uma única dose de reforço da vacina inativada, administrada aos 15 meses de idade. O novo esquema completo de vacinação contra a poliomielite incluirá, portanto, quatro doses, administradas aos 2, 4, 6 e 15 meses de idade.

As gotinhas conquistaram seu lugar na história devido à sua facilidade de aplicação e baixo custo, sendo instrumentais na conquista do Brasil e de outros países na luta contra a poliomielite, conforme explicado por Luíza Helena Falleiros Arlant, presidente da Comissão de Certificação da Erradicação da Pólio no Brasil. Esta comissão faz parte do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e é ligada à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Em 2023, o programa celebra seu 50º aniversário.

“Em 1988, havia mais de 350 mil casos de pólio no mundo, com crianças e adultos sofrendo paralisias. Naquela época, o que era necessário? Uma vacina oral que pudesse imunizar milhões de pessoas em um curto espaço de tempo para conter o surto epidêmico. Era uma tragédia global”, contextualiza Luíza Helena.

Avanços Científicos O êxito alcançado com a vacina oral levou à erradicação da poliomielite em grande parte do mundo. No entanto, estudos mais recentes realizados a partir dos anos 2000 indicaram que a VOP era menos eficaz e segura do que a vacina intramuscular. Em casos extremamente raros, a vacina oral, que contém o poliovírus enfraquecido, poderia causar casos de poliomielite vacinal, com sintomas semelhantes aos do vírus selvagem.

“Crianças com desnutrição, verminoses ou doenças intestinais poderiam não responder bem à vacina oral, mas a vacina inativada não apresenta essas limitações. Ela oferece maior proteção, com uma resposta imunológica mais segura, eficaz e duradoura. Existem várias vantagens em relação à vacina oral. Essas descobertas resultam de estudos publicados que ganharam destaque a partir de 2000.”

Desde então, países ao redor do mundo estão gradualmente substituindo a vacina oral pela inativada, um passo que já foi dado por pelo menos 14 países na América Latina. A meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a vacina inativada substitua a oral em todo o mundo até 2030.

Luíza Helena Falleiros Arlant, presidente da Comissão de Certificação da Erradicação da Pólio no Brasil, acrescenta que a vacina inativada causa menos efeitos adversos do que a vacina oral, tornando-a mais segura para as pessoas vacinadas e para a comunidade em geral.

Para entender a diferença entre essas duas vacinas, é essencial compreender como funcionam. A vacina oral contém o poliovírus enfraquecido, ainda “vivo”, mas incapaz de causar a doença. Em contraste, a vacina inativada recebe esse nome porque o vírus foi completamente inativado, não tendo a capacidade de sofrer mutações ou se reverter para uma forma virulenta.

Os estudos sobre esse tema se intensificaram a partir dos anos 2000 e revelaram que o poliovírus atenuado presente na vacina oral poderia sofrer mutações e retornar a uma forma neurovirulenta quando excretado no meio ambiente através das fezes. Essa possibilidade já era conhecida, mas pesquisas recentes demonstraram que ela ocorre com mais frequência do que se imaginava.

“Hoje sabemos que o vírus mutante eliminado nas fezes pode infectar pessoas próximas, e se essas pessoas não estiverem adequadamente vacinadas, poderão contrair a pólio”, afirma a pesquisadora. Ela enfatiza que vários fatores, como as baixas taxas de vacinação contra a poliomielite nos últimos anos e a falta de saneamento básico em algumas áreas, aumentam esse risco, expondo as pessoas ao contato com esgoto ou água contaminada com poliovírus selvagens ou mutantes.

A pesquisadora ressalta que, enquanto a poliomielite persistir em qualquer lugar do mundo, todas as pessoas correm o risco de contrair a doença.

“Os vírus da pólio continuam a circular e podem infectar qualquer pessoa. Aqueles que não estiverem devidamente vacinados com uma vacina eficaz, preferencialmente a inativada, não estarão imunes e poderão contrair a doença. Mesmo em contato com o vírus, aqueles que foram vacinados não desenvolvem a doença.”

Cobertura Vacinal em Declínio De acordo com o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), a última vez que a cobertura vacinal atingiu a meta para a vacina inativada contra a poliomielite foi em 2015, quando alcançou 98,29% das crianças nascidas naquele ano.

Após 2016, a cobertura vacinal começou a declinar, chegando a 71% em 2021. Em 2022, houve um aumento, atingindo 77%, mas ainda abaixo da meta de 95% de cobertura para proteger as crianças.

O percentual de cobertura vacinal representa a proporção de crianças nascidas naquele ano que receberam a vacina. Isso significa que não atingir a meta por vários anos cria um número crescente de não vacinados. Nos últimos dois anos, por exemplo, 29% das crianças nascidas em 2021 e 23% das nascidas em 2022 não foram vacinadas. Considerando que mais de 1,5 milhão de bebês nascem anualmente no Brasil, esses dois anos representam mais de 780 mil crianças vulneráveis no país.

As disparidades regionais e locais também são evidentes nas taxas de cobertura. Enquanto o Brasil vacinou 77% dos bebês nascidos em 2022, a cidade de Belém alcançou apenas 52%, e o estado do Rio de Janeiro registrou apenas 58%.

Área Livre de Pólio O Brasil não registra casos de poliomielite desde 1989 e, em 1994, recebeu da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) a certificação de área livre da circulação do poliovírus selvagem, juntamente com todo o continente americano.

A vitória global sobre a doença por meio da vacinação reduziu drasticamente o número de casos em todo o mundo, caindo de 350 mil em 1988 para 29 em 2018, segundo a OMS. Atualmente, o poliovírus selvagem permanece endêmico apenas em áreas restritas da Ásia Central, em contraste com 1988, quando 125 países enfrentavam uma crise de saúde pública devido à poliomielite.

Ator e músico Paulinho Dias teve pólio no primeiro ano de vida e vive com sequelas até hoje – Arquivo pessoal

Sequelas

Embora seja cada vez mais raro encontrar pessoas que vivem com as sequelas da pólio, essa já foi uma realidade mais comum no Brasil. O ator e músico Paulinho Dias, de 46 anos, teve a doença com apenas 11 meses de idade, menos de duas semanas após dar seus primeiros passos.

“A pólio afetou meus membros inferiores. Ambas as pernas, especialmente a direita, foram afetadas. Passei por mais de dez cirurgias, incluindo cirurgias de tendão, de nervo atrofiado e de alongamento ósseo, pois minha perna direita parou de crescer adequadamente e não acompanhava o crescimento da outra. Antes da cirurgia, mal conseguia tocar o pé no chão.”

Paulinho recorda que muitas crianças na sua vizinhança também foram afetadas pela pólio na época. Devido à falta de informação, em 1977, muitas famílias recorriam a benzedeiras, uma vez que poucas outras opções estavam disponíveis, o que agravava os casos e contribuía para a disseminação do vírus.

“Sempre fui a favor das vacinas, mas confesso que não era tão vocal sobre elas até a pandemia de covid-19. No entanto, agora, no século 21, com o risco de a pólio ressurgir e outras doenças evitáveis por vacinas ameaçadas devido à desinformação e ao movimento antivacinista, falo com veemência sobre a importância da vacinação. Vacinem seus filhos, é um ato de amor. Poupem-nos do sofrimento.”