Subnotificações de casos de intoxicações por agrotóxicos seguem desafiando a saúde pública em diversos municípios de Rondônia. Somente este ano ocorreram 91 casos (*veja abaixo a lista de municípios), dos quais, dois óbitos no município de Cacoal, informou na terça-feira (5) a Agência Estadual de Vigilância em Saúde (Agevisa).
Em Rondônia, o agrotóxico é o primeiro na lista de intoxicações exógenas nas zonas urbana e rural. Da lista elaborada em pesquisa de campo pelo Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) também constam medicamentos, raticidas, alimentos e bebidas, veneno doméstico, produtos de uso domiciliar e químicos.
“Não é tão simples assim diminuir os impactos na saúde; a higienização de frutas e verduras, por exemplo, reduz, mas não elimina a contaminação”, alerta a coordenadora de vigilância em saúde de populações expostas a agrotóxicos na Agevisa, Rosiane Maciel Batista.
Para a coordenadora, “Ibama e Anvisa” não deveriam, em hipótese alguma, serem alijados do processo de avaliação dos agrotóxicos: “Tudo se relaciona à saúde e meio ambiente”, advertiu.
QUADROS DEPRESSIVOS
A Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer e a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica funcionam, mas há carência de estudos esclarecedores sobre um componente delicado e ao mesmo tempo assustador, lembrou Rosiane Batista: “Precisamos esclarecer casos de tentativas de suicídio que tem apresentado maior frequência”.
Segundo ela, há estudos demonstrando que o uso contínuo de agrotóxicos pode levar a quadros depressivos, além do desenvolvimento de doenças como o câncer.
O Brasil é o maior consumidor mundial do agrotóxico glifosato, substância considerada potencialmente cancerígena pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Um mal-estar, enjoo ou dor de cabeça são sintomas inespecíficos que levam a pessoa a procurar à unidade de saúde, contudo, os profissionais de saúde felizmente já têm um olhar diferenciado para a questão, da exposição a fatores ambientais”, disse.
Rondônia irá participar do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, um fórum permanente de discussão dos efeitos provocados pelo uso dos agrotóxicos. Em março passado, o procurador do Ministério Público do Trabalho Pedro Serafim apresentou no Fórum Mundial da Água em Brasília, o projeto “Água Livre de Agrotóxicos: questão de saúde pública”, visando promover o direito do trabalhador e do consumidor à água potável sem agrotóxicos.
A ação é articulada nos ramos do Ministério Público do Trabalho, sociedade civil organizada, academias, governos, órgãos, entre outros parceiros.
ALTO ALEGRE TEM PLANO DE VIGILÂNCIA
Um dos municípios prioritários no estado para a problemática na saúde dos agrotóxicos, Alto Alegre dos Parecis (13,8 mil habitantes), a 536 quilômetros de Porto Velho, na Zona da Mata, foi o único município a elaborar o Plano Municipal de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos.
Segundo Rosiane Batista, é preciso ir além, e Rondônia fará sua parte de 1º a 3 de agosto deste ano, com o Seminário Estadual sobre Impactos dos Agrotóxicos na Saúde Humana que tem por objetivo fomentar as discussões na área. Lembrou que o estado tem seu plano aprovado desde 2013.
Apoiados pela Agevisa, Cerest e municípios têm feito palestras para agricultores, alertando a respeito dos riscos à saúde. Destacou o papel do Cerest de Cacoal, que realiza acompanhamento dos trabalhadores expostas, verificando a resistência das pessoas ao uso dos equipamentos de proteção individual (EPI).
“De fato, esses equipamentos são quentes e não condizem com as nossas condições climáticas, embora a norma recomende seu uso em horários onde a temperatura e o vento estão mais amenos, mais ao entardecer”, reconheceu a coordenadora.
A Coordenadoria de Segurança Alimentar e Nutricional (Cosan) na Secretaria Estadual da Assistência e Desenvolvimento Social (Seas) promove palestras e já se fez representar em diversas reuniões técnicas nas quais alertou a respeito da qualidade alimentar.
“No Restaurante Popular, por exemplo, distribuímos cartilhas e panfletos às pessoas, com boa receptividade”, disse Cleusa Firmino. A Seas faz campanha por alimentos saudáveis.
Cleusa é ativista de políticas públicas nesse setor desde o governo anterior. “Mas isso não é tudo, precisamos unir dados e esforços para melhor esclarecer o que vem acontecendo”, ela reivindicou.
(*) Municípios com ocorrência de intoxicação por agrotóxicos em 2018:
Alta Floresta d’Oeste, Alto Alegre dos Parecis, Alto Paraíso, Alvorada d’Oeste, Ariquemes, Buritis, Cacoal, Castanheiras, Cerejeiras, Colorado do Oeste, Guajará-Mirim, Jaru, Ji-Paraná, Monte Negro, Nova Brasilândia d’Oeste, Nova Mamoré, Porto Velho, Rolim de Moura, Santa Luzia d’Oeste, São Francisco do Guaporé, Urupá, Vale do Paraíso e Vilhena.
PROJETO NA CÂMARA MUDA NOME DE PRODUTOS
► Mais de 200 entidades se manifestaram contra projeto de lei que reclassifica os produtos como “fitossanitários”. Em nota, Fiocruz, Ibama, Anvisa, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho acusam: “Querem fingir que os agrotóxicos não fazem mal para a saúde humana. E fazem. São um veneno que é colocado nos pratos das nossas filhas e dos nossos filhos na mesa dos brasileiros a cada dia. Nós não vamos aceitar essa medida”.
► Segundo relatório de 2015 do Cerest/Sinan, 109 trabalhadores intoxicados em Rondônia estão na faixa de 20 a 39 anos e 21 têm acima de 60. Do total, 50 não eram empregados registrados, 33 registrados, 12 aposentados, dez desempregados, oito avulsos, seis temporários, dois servidores públicos e até um empregador.