Um projeto inovador de saneamento em palafitas, desenvolvido no Beco Nonato, em Manaus, está chamando a atenção na COP30 e servindo de inspiração para melhorar as condições de vida em comunidades ribeirinhas por toda a Amazônia.
O Beco Nonato se tornou um exemplo de como a chegada de água tratada e a coleta de esgoto podem transformar áreas antes marcadas pela precariedade, acúmulo de lixo, inundações e proliferação de doenças. A iniciativa, conduzida pela Águas de Manaus, do Instituto Aegea, foi apresentada na COP30, em Belém, através de uma experiência de realidade virtual que permitiu aos participantes conhecerem o projeto de perto.
De Manaus para Belém: um novo modelo para a região
Na COP30, os visitantes puderam “caminhar” virtualmente pelas passarelas do Beco Nonato e entender como as redes de abastecimento e esgoto foram instaladas em estruturas de palafitas sobre os igarapés da Zona Sul de Manaus. O presidente do Instituto Aegea, Édison Carlos, destacou que a experiência em Manaus redefiniu a forma de implantar saneamento em áreas vulneráveis.
“Aprendemos muito em Manaus. Nossa equipe desenvolveu tecnologias específicas para levar água e coletar esgoto em palafitas, algo inédito no Brasil. É um projeto premiado que atrai especialistas de todo o país”, afirmou Édison.
O Beco Nonato é a primeira área de palafitas em Manaus a ter acesso à água tratada e à rede de esgoto, beneficiando mais de 900 moradores do bairro Cachoeirinha. A mudança começou a ser sentida no primeiro semestre de 2023, quando os moradores deixaram de conviver com a lama, o lixo e as enchentes.
Dona Ivone Dantas, moradora do Beco Nonato há mais de 40 anos, lembra que a água do igarapé, antes limpa, foi sendo poluída ao longo dos anos, afetando a qualidade de vida da comunidade. “Hoje vejo que é possível ter vida nesse igarapé. Até o cheiro melhorou”, disse.
Para garantir o acesso ao saneamento para famílias de baixa renda, a concessionária criou a Tarifa 10, um programa que permite que moradores em situação de vulnerabilidade paguem apenas R$ 10 pelos serviços. “Eles querem pagar, querem dignidade. Isso também faz parte da sustentabilidade do sistema”, explicou Édison.
Tecnologia manauara em Belém
A experiência do Beco Nonato serviu de base para a implantação do saneamento na Vila da Barca, a maior comunidade de palafitas de Belém, com cerca de 5 mil moradores. Em apenas três meses de obras, os moradores da Vila da Barca começaram a receber água tratada em suas casas.
“A Vila da Barca é ainda maior que o Beco Nonato, mas a tecnologia funcionou muito bem. Trouxemos a experiência de Manaus e aplicamos em Belém, porque os desafios eram muito semelhantes. Hoje, milhares de pessoas deixaram de conviver com risco diário de infecções e doenças”, afirmou Édison Carlos.
Eleosangela Carvalho, moradora da Vila da Barca, relatou as dificuldades de antes da instalação do sistema de saneamento: “Ia pegar água distante, carregando no balde. Ou quando às vezes também faltava no cano. Eu chego do trabalho tarde, aí tinha que ir na casa de uma amiga pra poder tomar banho, fazer refeição na rua.”
Saneamento e proteção climática
Para Édison, o saneamento básico é fundamental para proteger as comunidades mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. “Quem mais sofre nas crises climáticas são os ribeirinhos, moradores de palafitas, de favelas. O saneamento aumenta a resiliência dessas comunidades”, destacou.
Dados do Instituto Trata Brasil mostram que, no Amazonas, o acesso à água encanada caiu de 87,58% em 2019 para 81,14% em 2023. A coleta de esgoto cresceu de 14,95% para 28,63% no mesmo período, mas o estado ainda está longe da meta de 90% prevista pelo Marco Legal do Saneamento.
Para superar esses desafios, o Instituto Aegea já investiu R$ 6 bilhões na Amazônia Legal e planeja aplicar mais R$ 19 bilhões no Pará nas próximas décadas. A experiência do Beco Nonato e da Vila da Barca mostram que soluções de saneamento adaptadas à realidade amazônica podem transformar a vida de milhares de pessoas.
