A crescente aproximação comercial entre Brasil e China, impulsionada pela alta demanda chinesa por commodities, levanta debates sobre os impactos na indústria brasileira. Embora a China seja o principal destino das exportações brasileiras e um motor do superávit comercial, analistas alertam para o risco de uma especialização excessiva em produtos básicos, em detrimento da indústria de transformação.
Comércio bilateral em números
Entre 2013 e 2023, o Brasil exportou US$ 838,8 bilhões para a China. No entanto, a pauta exportadora é concentrada: mais de 60% do total é composto por soja e minérios. Em 2023, 90,7% das exportações brasileiras para a China eram produtos básicos, enquanto apenas 5% correspondiam a bens de alta e média-alta intensidade tecnológica. A China, por outro lado, consolidou sua posição como centro manufatureiro e tecnológico.
Essa dinâmica reflete um processo de desmantelamento da indústria brasileira, com menor investimento em processamento de matérias-primas, enquanto a China investe em moagem de grãos e beneficiamento de minérios em seus próprios portos, conforme aponta a professora de Relações Internacionais da PUC-Rio, Ana Elisa Saggioro Garcia.
Histórico da relação
A aproximação comercial entre Brasil e China se intensificou a partir de 2004, quando o governo brasileiro reconheceu a China como uma economia de mercado. O fluxo comercial entre os dois países mais que triplicou entre 2004 e 2009, com a China ultrapassando os Estados Unidos como principal comprador de produtos brasileiros.
Em 2024, a China é responsável por receber 28% de todas as exportações brasileiras, impulsionada pelo apetite por commodities agrícolas, minerais e petróleo. Os Estados Unidos, segundo maior comprador, ficam com pouco mais de 12%.
Impactos na indústria brasileira
A demanda chinesa alterou a pauta exportadora brasileira, incentivando a produção de commodities em detrimento de produtos industrializados. A concorrência dos produtos chineses também deslocou as exportações brasileiras de bens industriais, ao mesmo tempo em que os embarques chineses para o Brasil ampliaram o déficit comercial da indústria de transformação.
A Lei Kandir, que isentou o ICMS sobre exportações, inclusive de commodities em estado bruto, pode ter incentivado a exportação de matérias-primas não processadas, contribuindo para o desmantelamento da indústria nacional.
O futuro da relação
Especialistas divergem sobre os riscos da dependência comercial com a China. Alguns alertam que a concentração das exportações em um único país é perigosa, enquanto outros defendem que a parceria é benéfica e deve ser reforçada.
O governo brasileiro tem buscado reverter o cenário, com investimentos em industrialização, como o plano Nova Indústria Brasil. A cooperação com a China pode ser aproveitada para diversificar a pauta exportadora e investir em ciência e tecnologia, mas é fundamental evitar a criação de um novo parque industrial dependente da tecnologia chinesa.
A recente imposição de tarifas sobre produtos brasileiros por parte dos Estados Unidos pode impulsionar o comércio com a China, mas a compatibilidade das pautas de exportação e a busca da autossuficiência chinesa em alguns setores representam desafios para o futuro da relação.