26 de dezembro de 2024

Projeto Global Mapeia DNA de Primatas da Amazônia Visando Impulsionar Medicina de Precisão

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Material genético de mais de 200 primatas, tanto da Amazônia brasileira quanto de outros países, pode contribuir para desenvolver ferramentas preditivas de susceptibilidade humana a doenças.

Pesquisadores de 24 países, estudando o genoma de mais de 800 primatas, representando 233 espécies, revelaram novos insights sobre este grupo animal que inclui seres humanos. Os resultados, que abrangem aspectos da evolução, modo de vida e saúde, estão em oito artigos publicados numa edição especial da revista Science, de 1º de junho. O objetivo principal é usar o conhecimento evolutivo como ferramenta médica, embora este objetivo ainda esteja em fase inicial. Paralelamente, o que se sabe sobre a evolução e biologia dos macacos continua se expandindo.

Descobertas Surpreendentes

Jean Boubli, primatólogo brasileiro da Universidade de Salford, no Reino Unido, e coautor do artigo que abre o especial, revela sua surpresa ao perceber que a diversidade genética não está relacionada ao grau de ameaça de extinção da espécie.

A diversidade genética dos primatas, obtida de amostras de várias instituições brasileiras, foi crucial para o estudo. O sequenciamento foi conduzido pela empresa norte-americana Illumina, na Califórnia, especialista em genética.

A Relação entre Humanos e Primatas

Comparar humanos com seus parentes mais próximos é uma maneira de encontrar pistas sobre doenças. O vice-presidente de inteligência artificial da Illumina, Kyle Farh, reforça que a diversidade dos primatas é chave para desvendar o genoma humano.

O estudo também avançou na compreensão da evolução e biologia dos primatas, obtendo a árvore filogenética de primatas mais precisa existente. Isso permite entender o parentesco entre diferentes espécies e a cronologia de seu surgimento a partir de ancestrais comuns.

À esquerda, dois uacaris amazônicos classificados como vulneráveis na Lista vermelha de espécies ameaçadas da IUCN: Cacajao calvus (no alto) e C. hosomi, descrito por Boubli em 2008; o lêmur-de-cauda-anelada (Lemur catta, no centro), de Madagascar, está ameaçado de extinção; o parauaçu-de-cabeça-amarela (Pithecia chrysocephala, à dir.), da margem norte do rio Negro, não suscita preocupação. Fotos: Marcelo Santana, Jan Dungel (C. hosomi), Rmedina (Lemur catta)

Contribuições para a Medicina de Precisão

Os genomas analisados podem ser úteis para a saúde humana. O estudo aponta os desafios de ter dados suficientes para treinar modelos de aprendizado de máquina e relata avanços na capacidade de previsão de parâmetros clínicos. Outro artigo destaca o benefício de se detectar variantes genéticas raras para prever a propensão a doenças e no desenvolvimento de alvos farmacológicos.

Os dados dos primatas permitiram desenvolver uma rede de aprendizagem profunda, semelhante ao ChatGPT, com enorme potencial para a medicina personalizada. Isso se torna ainda mais relevante ao considerar que 97% dos genomas humanos analisados, mesmo de pessoas saudáveis, abrigam variantes patogênicas que podem ter impacto significativo em condições clínicas.

Corrida contra a Extinção

O projeto ainda está em seu início e, com tantas espécies ainda não estudadas, está numa corrida contra o tempo para pesquisá-las antes que sejam extintas.

Coleta de Amostras em meio à Pandemia

A coleta de amostras para o projeto enfrentou desafios inesperados devido à pandemia do COVID-19. No entanto, os pesquisadores encontraram maneiras de continuar a coleta de maneira segura e eficaz, adaptando-se às restrições impostas. Além disso, os primatólogos brasileiros têm conseguido amostras de animais mantidos em zoológicos e centros de recuperação de fauna, mesmo em meio às dificuldades.

A espécie Saimiri cassiquiarensis de macaco-de-cheiro foi reconhecida em 2009. Foto: Marcelo Santana

Avançando em Ciência Evolutiva

A obtenção dos genomas dos primatas, além de sua aplicação na medicina de precisão, também forneceu insights importantes sobre a evolução. Os pesquisadores conseguiram identificar genes que foram selecionados positivamente ao longo do tempo em primatas, dando pistas sobre os processos evolutivos que levaram à nossa própria espécie. Além disso, foram encontrados padrões de diversidade genética que desafiam as expectativas tradicionais, como a falta de correlação entre a diversidade genética e a ameaça de extinção.

Ampliando a Compreensão da Biodiversidade

Esta pesquisa também contribui para uma melhor compreensão da biodiversidade na Amazônia e em outros locais onde os primatas são encontrados. O estudo do genoma destas espécies permite identificar os fatores que contribuem para a diversidade genética em diferentes ambientes e pode auxiliar na criação de estratégias mais eficazes para a conservação destas espécies.

Próximos Passos

O projeto ainda tem um longo caminho a percorrer. Os pesquisadores planejam continuar coletando amostras e sequenciando genomas de mais espécies de primatas. Além disso, com o avanço da tecnologia de sequenciamento genético e a melhora na capacidade de analisar grandes volumes de dados, espera-se que seja possível aprofundar ainda mais a compreensão sobre o genoma desses animais e sua relação com a saúde humana.

Neste sentido, o estudo genômico dos primatas da Amazônia abre caminho para a próxima fronteira da medicina de precisão, oferecendo potencial para desenvolver tratamentos personalizados e melhorar a qualidade de vida de pacientes em todo o mundo.

Pouco se sabe sobre o parauaçu-de-vanzolini (Pithecia vanzolinii, à esq.), amazônico como o cairara-de-fronte-branca (Cebus albifrons, no alto), enquanto o híbrido Rhinopithecus brelichi (embaixo) vive na China; o macaco-aranha-da-cara-preta (Ateles chamek, à dir.) está classificado como vulnerável. Fotos: Marcelo Santana; Rebecca Still (Cebus albifron); Mrflower (Rhinopithecus brelichi)