A lenda que explica a origem da etnia indígena Sateré-Mawé e do guaraná, na região do Lago Parauari, um afluente do rio Maués, no Amazonas, é um tesouro da cultura local. A história, passada de geração em geração, fala de tempos antigos e seres míticos que habitavam a região.
Noçoquem e a lenda do guaraná
Segundo a tradição oral, no começo do mundo existiam três irmãos: Ocumáató, Icuamã e Onhiamuaçabê, responsáveis por uma floresta encantada chamada Noçoquem. Onhiamuaçabê era uma jovem com poderes mágicos e vasto conhecimento medicinal, o que preocupava seus irmãos.
Eles temiam que ela revelasse os segredos das plantas medicinais e remédios, ou perdesse sua força mágica ao se casar. Apesar da proibição, todos os animais de Noçoquem desejavam viver com Onhiamuaçabê.
Um dia, uma cobra esperta espalhou um perfume sedutor pelo caminho da jovem. Ao inalar a fragrância, Onhiamuaçabê foi tocada pela cobra e, para surpresa de todos, ficou grávida. Na crença da época, um simples olhar de um homem ou animal era suficiente para gerar uma criança.
Quando os irmãos foram buscar um remédio para caçar, conhecido como ‘pussanga’, descobriram que o líquido havia coalhado, revelando uma espécie de tapioca no fundo. Era a prova da gravidez de Onhiamuaçabê.
Furiosos, os irmãos expulsaram Onhiamuaçabê de Noçoquem, que levou consigo a mucura para lavar suas roupas, o pato para buscar água e a saracura para lhe trazer cogumelos.
Ao descobrirem que o filho de Onhiamuaçabê nascera normal, com braços e pernas, os irmãos proibiram a criança de entrar em seus domínios e se alimentar de sua plantação. O menino, então, passou a desejar as frutas de Noçoquem.
Antes do nascimento, Onhiamuaçabê havia plantado uma castanheira na floresta encantada. Com a expulsão, os irmãos tomaram posse das terras mágicas e proibiram a jovem de consumir seus frutos.
Mesmo isolada, Onhiamuaçabê alertava o filho para não se aproximar de Noçoquem. Mas o menino, consumido pelo desejo, alimentava-se das frutas proibidas.
Os guardas de Noçoquem, incumbidos de matar quem ousasse entrar, viram o menino subir na castanheira e o mataram.
Desolada, Onhiamuaçabê sepultou o filho e, invocando as forças da natureza, profetizou: “Tu, meu filho, serás a maior força da natureza e quem provar dos teus olhos (o guaraná) terá proteção, longa vida e saúde permanente”.
Assim, dos olhos do menino nasceu o guaraná, e do corpo, a etnia Sateré-Mawé.
A preparação do guaraná
Na cultura Sateré-Mawé, o guaraná é mais do que uma bebida: é sagrado. As frutas são colhidas e levadas para a aldeia, onde são pisoteadas para soltar as sementes. Depois de lavadas e secas ao sol, as sementes são torradas e moídas até virar um pó fino. Os indígenas também preparam um pão de guaraná, feito com a pasta úmida.
O guaraná é servido em uma cerimônia chamada ‘sessão de çapó’, onde a bebida é passada de mão em mão, em cuia, entre os participantes, sob a proteção dos espíritos da floresta.
História e significado
De acordo com relatos históricos, o padre alemão Bettendorf foi o primeiro não-indígena a provar o guaraná, na região dos rios Tapajós e Madeira. Relatou sentir-se revigorado após consumir a bebida, comparando-a a um ‘elixir da eterna juventude’.
Hoje, o guaraná é associado ao tuxaua, o líder que guia a comunidade com sabedoria. Ao consumir o guaraná, todos participam de uma experiência que une sociedade, natureza e espiritualidade.
Com informações do boletim de ciências humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi







