Nos últimos anos, o modelo de trabalho remoto se consolidou como uma das maiores transformações do ambiente corporativo. No entanto, sua eficácia continua sendo alvo de controvérsias e polêmicas, chegando a justificar demissões e exigindo o retorno ao presencial.
O tema voltou ao centro das discussões após uma fala do CEO do iFood, Diego Barreto, viralizar nas redes sociais. Em participação em um podcast, ele defendeu a eficácia do trabalho remoto, lembrando que “a empresa nunca cresceu tanto, nunca inovou tanto, como nos últimos 3 anos” — justamente o período em que a operação se deu à distância. O discurso contrasta com a postura de gigantes globais que têm pressionado suas equipes alegando queda de produtividade.
Pesquisas recentes corroboram a posição defendida pelo CEO do iFood. Estudo conjunto da Universidade de São Paulo e FIA Business School revela que 94% dos profissionais em trabalho remoto relatam melhoria na qualidade de vida. Paralelamente, dados da consultoria EY mostram que 74% dos empregadores observaram maior eficiência em suas equipes nos últimos anos.
“O problema geralmente está na gestão. É preciso entender que modelos diferentes requerem formatos de gestão diferentes. O maior erro está em tentar aplicar a mesma maneira em que se fazia a gestão do time no presencial para o modelo remoto. As rotinas, processos, fluxos, a comunicação, e até mesmo o ferramental, têm que ser diferentes”, explica o CEO da Impulso, people tech especializada em produtividade e reestruturação de equipes, Sylvestre Mergulhão.
Números contradizem argumentos contra o home office
O relatório de transformação digital da América Latina indica que empresas adeptas do trabalho remoto registram aumento de produtividade 41% maior em comparação às organizações que restringem atividades domiciliares. Adicionalmente, o estudo do National Bureau of Economic Research (NBER) demonstra que colaboradores remotos trabalham, em média, 48 minutos a mais por dia.
De acordo com Sylvestre Mergulhão, o recente exemplo da Meta ilustra como questões de produtividade podem ser erroneamente atribuídas ao trabalho remoto. “Mark Zuckerberg, em setembro de 2023, anunciou que funcionários da Meta teriam que dar adeus ao home office para retornar ao escritório. O que alegou? Problemas de produtividade, afirmando que 2024 seria o ‘Ano da Eficiência’. Em janeiro de 2025, o executivo vai a público novamente, desta vez para comunicar que a gigante de tecnologia fará provavelmente a maior onda de demissão em massa da sua história. Quase 4 mil funcionários serão cortados. Praticamente 5% da sua força de trabalho global. A justificativa foi ‘Mau desempenho’. Ou seja, o problema não era o remoto”, afirma.
Diversidade e retenção de talentos como vantagens competitivas
O CEO do iFood também destacou um benefício estratégico do modelo remoto: 40% dos colaboradores da empresa residem a mais de 100 km de São Paulo e Campinas. “Essas pessoas em via de regra estão em lugares mais baratos que o custo de vida de São Paulo. Elas estão morando perto da mãe, porque a mãe está doente. Perto dos filhos, porque pai e mãe são separados. Na cidade natal, porque têm base de apoio e em um lugar mais barato que São Paulo. Qual a chance dessa pessoa lutar até o final para ficar nessa empresa?”, questionou, referindo-se ao comprometimento gerado pela flexibilidade geográfica.
Dados da McKinsey reforçam essa vantagem: equipes diversas étnica, regional e culturalmente têm 33% mais chances de obter melhores resultados, aumentando criatividade e capacidade de resolução de problemas.
“Em relação à cultura organizacional, que muitos alegam ser algo impossível de se construir no trabalho remoto, eu também discordo. É possível, sim, construir cultura no remoto, desde que o remoto seja a cultura”, reforça Mergulhão, da Impulso.
Adaptação é a chave do sucesso
Os dados disponíveis sugerem que a eficácia do trabalho remoto depende mais da qualidade da implementação e gestão do que do modelo em si. Com empresas reportando crescimento recorde durante períodos de trabalho remoto e colaboradores demonstrando maior satisfação e produtividade, o debate parece centrar-se não no “se” funciona, mas no “como” fazer funcionar adequadamente.