18 de abril de 2024

Jovem Dex une trap ao Nordeste com letras ‘sem papas na língua’ sobre o que ele vê e vive

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Jovem Dex une trap ao Nordeste com letras ‘sem papas na língua’ sobre o que ele vê e vive

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Rapper baiano canta realidade de Feira de Santana na base do subgênero do rap dos EUA. Ritmo faz tanto sucesso na região que gera ‘guerra de contratação’ entre produtoras; ouça podcast.

“Um pivete novo criando umas paradas loucas”. É assim que Jovem Dex explica o nome artístico que vem do desenho “O Laboratório de Dexter”. A diferença é que o laboratório do rapper baiano é o estúdio.

O podcast G1 Ouviu conta histórias de cinco jovens MCs de trap que fazem muito sucesso e furam a bolha do estilo. Ouça acima.

David Sá Duarte desponta na cena do trap, subgênero do rap nascido em Atlanta, no sul dos EUA, e desde março tem lançado faixas que vão formar seu primeiro álbum, “É o Trap Memo?!”.

O rapper de 19 anos sempre teve a música e a violência por perto. Ele foi criado em um dos bairros mais perigosos de Feira de Santana, na Bahia, e conta que já teve que desviar de corpos no chão.

Tudo isso se reflete nos versos que escreve desde a adolescência. “Ai, meu Deus, faço a mágica pra você se drogar / Ai, meu Deus, imagina esse otário na mira da AK” canta em “Tapa”, por exemplo.

O fato de falar explicitamente sobre drogas, armas e sexo, temas recorrentes em suas letras, não é uma questão para Dex.

Muito pelo contrário, é algo que está na base do trap, palavra que significa armadilha, mas era uma gíria para lugar onde se vende droga em Atlanta.

“A gente não tem papas na língua, a gente fala o que a gente vê e vive. Não tem essa de ‘não pode falar isso, não pode falar aquilo’. A nossa cultura é liberdade de expressão”, diz ao G1.

“Se não gostou, é só não escutar, mas a gente não vai deixar de fazer, de se expressar. Imagine se a gente não falasse, mano? Nem ia existir a cultura, não é a toa que está famosa mundialmente. Muita gente se identifica com a parada”.

Segundo Dex, a cor de seu pele também influencia no som que faz.

“Nasci predestinado a fazer trap por ser preto, tá ligado? Creio que quem é preto, quem é favelado, entende melhor, porque a gente precisa passar por umas paradas que só o preto favelado passa para poder entender a cultura assim a flor da pele mesmo, ao pé da letra”.

‘Lifestyle’

A batida hipnótica, grave e arrastada do trap é a queridinha da juventude dos Estados Unidos, com astros como Lil Baby, 24kGoldn e Playboi Carti — este último é a maior referência do artista baiano.

Dex diz que faz “música para a nova geração” e o motivo que pega tanto entre os mais jovens é simples: liberdade de expressão.

 

Jovem Dex gosta do estilo, da ostentação e do lifestyle do trap

 

Jovem Dex gosta do estilo, da ostentação e do lifestyle do trap — Foto: Reprodução/Instagram/JovemDex
Jovem Dex gosta do estilo, da ostentação e do lifestyle do trap — Foto: Reprodução/Instagram/JovemDex

Ele conta que já foi julgado por usar a calça mais para baixo, boné de lado ou simplesmente por se vestir de forma diferente: “No trap, não tem isso. A gente fala o que quer nas batidas, a gente vive do nosso jeito, a gente é livre”.

A ideia de viver estiloso e usando roupas de marca é algo que atrai o rapper. Rola uma ostentação nas letras, clipes e no jeito de viver que fazem parte do conjunto de um “trap star”.

“Gosto de viver assim, gosto de me portar como artista, a galera do trap é assim. O lifestyle que me chama a atenção, e eu consigo colocar isso em cima das batidas”, explica.

Além da música, Dex é vidrado em moda e passa boa parte do seu tempo pesquisando isso: “Amo e respiro moda. Ainda vou ser estilista, tá ligado? Se não for estilista, vou ser modelo, ou então vou ser os três: artista, modelo e estilista nessa p****”.

“Através da moda, a gente consegue se expressar, consigo expressar meu humor com minha vestimenta”.

 

Nordeste na cena

 

Clipe de 'Nav' do Jovem Dex já trazia elementos do Nordeste em 2018; música marcou a estreia do rapper baiano — Foto: Reprodução/YouTube/JovemDex
Clipe de ‘Nav’ do Jovem Dex já trazia elementos do Nordeste em 2018; música marcou a estreia do rapper baiano — Foto: Reprodução/YouTube/JovemDex

 

Não dá para falar dos novos nomes do trap sem destacar a força da cena no Nordeste.

Jovem Dex faz parte da produtora baiana Hash, que também produz nomes como Brandão e Leviano. Já a 30praum, do Ceará, é outro exemplo de sucesso com Teto, Wiu e Matuê. Esse último, cantor de “Kenny G”, é um dos sócios da empresa.

Ter duas grandes produtoras de rap na região é importante e dá abertura para outros artistas locais. Além disso, elementos e gírias do Nordeste são incorporados naturalmente em letras e clipes.

“Nav”, música que marca a estreia de Dex em 2018, é um exemplo disso, quando o rapper aparece em um sítio, andando a cavalo e de quadriciclo. O clipe tem mais de 89 milhões de visualizações.

“Na época, a gente não tinha referência do Nordeste na cena – tem Matuê, mas eu nunca tinha visto um vídeo em referência ao nordestino mesmo. A gente chegou e botou cavalo, fazenda, quadriciclo, pé no chão, na terra mesmo, mandacaru, mato”.

“Agora a gente está colhendo frutos… Eu sempre soube que o nordeste ia ‘bagaçar’ tudo. Além de ter gente com muito, muito talento, nosso sotaque ajuda também com a musicalidade, casa certinho o autotune”, diz e solta uma risada de comemoração.

 

‘Briga de moleque’

 

De um lado Teto e Matuê, da 30praum e do outro Rafael Novaes, da Hash Produções; briga entre produtoras acabou respingando em Jovem Dex (3º da esquerda para direita) — Foto: Divulgação; Reprodução/Instagram/Matuê; Reprodução/Instagram/RafaelNovaes
De um lado Teto e Matuê, da 30praum e do outro Rafael Novaes, da Hash Produções; briga entre produtoras acabou respingando em Jovem Dex (3º da esquerda para direita) — Foto: Divulgação; Reprodução/Instagram/Matuê; Reprodução/Instagram/RafaelNovaes

 

Do mesmo jeito que a cena fica mais forte com a Hash e 30praum, ela se enfraquece quando começam a surgir brigas e discussões entre as produtoras.

Tudo começou quando Teto (outro artista retratado no podcast G1 Ouviu) saiu da empresa baiana e foi para equipe de Matuê.

O produtor Rafael Novaes, da Hash, acusou o rapper cearense de “roubar” o artista e cobrou o investimento feito em Teto. Mas o que o Jovem Dex tem a ver com isso?

Por conta dos atritos, Matuê chegou a falar que colocaria o aguardado lançamento de Teto no mesmo dia de Dex. O tom era de pirraça e competição, e atiçou os fãs dos dois artistas nas redes sociais.

“Acho essa parada uma briga de moleque, bagulho de ego ferido mesmo. Eu estou de boa em relação a isso, estou fazendo meu trampo. A questão é que meus amigos que não vão aguentar ver a galera falando mal de mim, toda hora mandando indireta para mim e ficar quieto”, diz Dex.

“Creio que tem lugar para todo mundo, ninguém toma o lugar de ninguém. Não tem como você tomar meu lugar, porque o meu lugar é meu. Você pode conquistar o seu espaço, e eu apoio demais. Todo mundo merece, está todo mundo no corre, todo mundo é sonhador”, diz.

A provocação virou realidade, mas não caiu exatamente no mesmo dia. O lançamento do 2º “drop” (grupo de faixas) do disco “É o trap memo”, aconteceu no dia 2 de abril. Já o “Prévias.zip”, primeiro EP de Teto, saiu um dia antes, 1º de abril.

Teto disse, em entrevista ao G1, que o lançamento já estava marcado antes da confusão e que eles optaram por manter a data.

“Isso está acontecendo porque o próprio público fica criando essa treta, tá ligado? Eles [Matuê e Teto] alimentaram no início, mas os fãs ficam comparando, não sei quem é melhor que não sei quem, eu estou de boa!”, afirma Jovem Dex.

“Só me lembro do tempo que brigava com os meninos na rua por causa de gude. Tem coisa mais importante para gente focar”.

E o foco tem um resultado claro: dominar as paradas de streaming no Brasil, assim como os gringos conseguiram nos Estados Unidos.

É onde Jovem Dex tem certeza que o trap vai estar em breve: “Quem quiser que se una com trap, abra o olho, corra junto, dê uma oportunidade, porque estamos chegando”.

Fonte: G1