BBB em meio à pandemia: agora nós é que estamos no confinamento

peixe-post-madeirao-48x48

BBB em meio à pandemia: agora nós é que estamos no confinamento

peixe-post-madeirao

Enquanto mais de 200 milhões de brasileiros vivem há mais de um ano sob a tensão da necessidade de um isolamento social em função da pandemia de Covid19, um programa de TV parece zombar com a realidade atual. O reality show Big Brother Brasil, criado para entreter mostrando os efeitos do isolamento sobre um grupo de pessoas em uma casa cheia de tudo do bom e do melhor, parece até piada nos dias de hoje. Mas a audiência não para de subir…

Antes da pandemia, as pessoas achavam curioso, ou engraçado, os efeitos do isolamento dos participantes do programa. Mas agora, o estresse da vida enclausurada saiu da TV e invadiu milhões de lares durante a pandemia. Com um diferencial: não é de brincadeirinha. A consequência disso tudo é a alta taxa de depressão e ansiedade no Brasil.  

Esse cenário aumentou desde o início da pandemia, em resposta a um isolamento social imposto em larga escala por protocolos sanitários. Desde então, relatos sobre desenvolvimentos de crises de ansiedade e depressão também cresceram, acompanhando os números de positivados pela Covid-19 no país. 

O comportamento da população é facilmente percebido em reality shows, que são um espelho da comunidade onde vivemos. O programa televisivo Big Brother Brasil, que, apesar das queixas, registra alta audiência, é um exemplo. De acordo com a psicóloga Laís Cristo, o programa tem levantado questionamentos importantes sobre saúde mental: “Já nas primeiras semanas o reality foi palco de polêmicas, bate bocas, desistências e barracos, comportamento típico de quem encontra-se sobre estresse e isolados. Polêmicas estas que levantaram questionamentos importantes sobre saúde mental, por diversas vezes se falou sobre violência psicológica para com alguns participantes e tivemos uma participante que foi ridicularizada por ter ansiedade e por tomar ansiolíticos.  O programa nos faz perceber que temas relacionados à saúde mental ainda são um tabu em nossa sociedade. Infelizmente existe um preconceito enraizado quanto a doenças mentais”.

Psicóloga Laís Cristo

Sendo assim, o Big Brother Brasil, por ser um programa com grande público, age de forma irresponsável e insensível para com a população por expor e de certa forma, ridicularizar e neutralizar assuntos tão sérios como a saúde mental em meio a tantas perdas que estamos vivendo? Para a psicóloga, o reality show pode ajudar a nos elucidar quanto a questões voltadas para a saúde mental e também serve como um alerta para filtrar o que se é consumido. “E até que ponto essa programação é saudável para ser assistida? O BBB é um programa de entretenimento, cabe ao telespectador entender se o que está sendo assistido lhe causa alegria, bem estar, ou angustia e desconforto emocional, e isso é válido para o Big Brother ou qualquer outra programação. Filtrar aquilo que se deve assistir é muito importante, pois o excesso de informação, a hiper estimulação, conteúdos que geram angústias e ative gatilhos emocionais também pode gerar desgastes emocionais , ansiedades e devem sim ser evitados”, considera Laís Cristo.

Para a comerciária Marina Franco Barreto de Almeida, 38 anos, o entretenimento oferecido pelo programa, ainda mais em tempo de pandemia, é dispensável. “Pelas propagandas que já assisti, o conteúdo é zero. Principalmente no meio da pandemia, né? As pessoas lá no confinamento, todas juntas, debochando da situação, sem máscaras, sem os devidos cuidados, concorrendo a R$ 1,5 milhão, que é a população que assiste é que paga. Esse dinheiro não sai do bolso da emissora”, arremata.

Marina Franco, comerciária

Na opinião da psicóloga Laís Cristo, no entanto, o filtro sobre a qualidade do programa cabe a cada um que assiste, ou não: “É sabido que parte dos brasileiros gostam de Carnaval, futebol, programas de entretenimento e BBB, então cabe tão somente aos telespectadores, pais ou responsáveis filtrar os conteúdos assistidos por si, seus familiares e filhos”.

Para os telespectadores, o programa de entretenimento é uma via de mão dupla, que mexe e aflora sentimentos de alegria, ansiedade, angustia e raiva. Bernardo Souza, estudante de Publicidade e fã da “casa super vigiada” conta sobre seus momentos de euforia e revolta em parceria com os participantes. “A gente tem o poder de escolha, né, de escolher o que vai assistir ou não. Eu acredito que o programa é de entretenimento e que até ajuda algumas pessoas a lidar com essa rotina de ficar em casa o tempo todo, já que é possível dialogar com outras pessoas sobre esse assunto em muitas plataformas na internet. Não acredito que o programa esteja zombando de um momento tão sensível, mas eu percebo muitos gatilhos pelo o que as pessoas fazem lá dentro”.

Outra questão que tem chamado a atenção é o atual ‘cancelamento’ que, em teoria seria o mesmo que bullying. O assunto tem tido grande repercussão e gerando debate políticos e sociais além das formas de lidar e ver o outro, assim, mostra que falar e promover questões ligadas à saúde mental é muito mais urgente do que se imagina. Para a psicóloga Láys Feitosa Arsênio, no dia-a-dia, nós não temos a real percepção do que é o outro, e explica: “temos as idealizações baseadas no que costumamos culturalmente partilhar em nossas vidas, redes sociais e rodas de amigos, mas, diante de câmeras, notamos que algumas vezes, mudar ou impor nossas crenças e valores sobre o outro pode ser bem mais nocivo do que se espera e, justamente esse ponto demonstrado no atual reality tem destacado a importância, sobretudo, da empatia. Empatia por quem vivencia, empatia por quem compartilha, empatia por quem assiste…e, a ausência desses fatores pode até evidenciar uma ansiedade já pré-existente”.

O confinamento do BBB parece deboche com o confinamento da vida real

Ansiedade pré-existente, considerando esses tempos de pandemia, é coisa que não falta. Afinal de contas, a população brasileira já está careca de saber o que é viver em confinamento, em isolamento social. Ciente disso, a emissora produtora do Big Brother Brasil percebeu que a edição deste ano não poderia seguir os moldes dos anos anteriores.

Chamar pessoas comuns para participar do programa poderia provocar uma sensação negativa no público, que já está confinado. “A gente está vivendo, ou já viveu, um Big brother da vida real, do nosso cotidiano. Ficamos isolados por meses devido a uma pandemia de um vírus maldito que ceifou muitas vidas. Hoje em dia a população já está cansada, calejada disso tudo, mas o vírus está aí”, diz o bombeiro militar Luciano Menezes, de 41 anos, que foi parar no hospital por causa da Covid19, em estado grave.

O bombeiro militar não está errado. O interessante do programa era de verdade ver como as pessoas reagiam ao confinamento. Isso não tem mais novidade e, principalmente, não tem mais um pingo de graça. De acordo com o Conselho Tutelar de Ji-Paraná, conflito Familiar como Guarda Compartilhada, Abandono de Incapaz e Abuso Sexual, são três tipos de casos que tiveram crescimento desde o início da pandemia no ano passado, apenas na região do 1º distrito do município.

Luciano Meneses, bombeiro militar

Por isso, a emissora selecionou um grupo de celebridades para ficar “confinada” na “casa mais vigiada do Brasil”. Nem se incomodou por estar copiando um modelo de reality show que já era explorado pela concorrente Record, com o programa A Fazenda. ““E o povo, uma vez que está confinado, assiste”, considera Luciano. “Algumas pessoas ainda estão seguindo nesse isolamento, vivendo em seu Big Brother pessoal enquanto um programa de  televisão coloca lá um grupo de famosos em um programa que não tem finalidade nenhuma”. Admitir que copia a concorrência, nesse caso, nem chega a ser um drama para a produtora do BBB21. A edição do programa no ano passado faturou muito bem, com as pessoas já isoladas em casa. O BBB20 teve cinco patrocinadoras: Burger King, Faculdades Anhanguera, Americanas, PicPay e Claro. O plano comercial rendeu, de cara, R$ 213,1 milhões para a emissora. O faturamento total de Carnaval, futebol e BBB no inicio de 2020 rendeu para a emissora mais de R$ 2 bilhões.

Como abrir mão desse mar de dinheiro – considerando que a emissora perdeu várias coberturas esportivas desde então – só por causa da pandemia? “Tem muita gente perdendo emprego, passando fome, dependendo do auxílio emergencial do governo federal, que foi dado por um tempo, mas já parou, e se pretende retomar agora. Por tudo isso, por todos esses fatores, isso me deixa triste, pois parece uma brincadeira de mau gosto, uma piada, fazendo o isolamento social de um grupo de participantes concorrendo a R$ 1,5 milhão”, lamenta o bombeiro militar, finalizando taxativo, ao dizer que ele e a esposa simplesmente desprezam a experiência que o programa traz como entretenimento.

A opinião de Luciano não é apenas dele. Milhões de pessoas no país passaram e passam aperto no coração apenas por ter que ir ao supermercado para comprar comida para alimentar a família. Todos nós nos questionamos: “Estou levando covid para casa?” No final das contas, todos nós gostaríamos de poder estar em confinamento, despreocupados com dinheiro, com escola, com o futuro, apenas em nome da nossa saúde e dos nossos familiares. No entanto, infelizmente, não estamos no BBB de Boninho, mas, na verdade, no mundo real. (textos: Eduarda Dejan e Robinson Pereira)