Investigação revela esquema de extorsão e golpes por telefone, movimentando milhões e com membros em 13 prisões do Rio de Janeiro.
Uma facção que nasceu há cerca de duas décadas dentro dos presídios do Rio de Janeiro, conhecida como Povo de Israel (PVI), hoje conta com 18 mil presos, representando 42% da população carcerária do estado. O grupo, especializado em golpes por telefone, como o falso sequestro, já supera facções tradicionais como o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro em número de integrantes nas cadeias. Nesta terça-feira (22), a Polícia Civil e a polícia penal deflagraram uma operação para combater o PVI.
De acordo com investigações da Polícia Civil, o grupo movimentou cerca de R$ 67 milhões em dois anos com golpes por telefone. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou movimentações suspeitas, que foram detalhadas no inquérito da Delegacia Antissequestro (DAS). Esse relatório foi fundamental para o Ministério Público do Rio pedir o bloqueio de bens de 84 pessoas e cinco empresas, suspeitas de lavar dinheiro para a facção. Entre as empresas envolvidas estão uma construtora, um atacadista, uma loja de bolsas, uma joalheria e até uma lotérica no Espírito Santo.
Além dos golpes de falso sequestro, o PVI também extorque comerciantes e moradores em áreas dominadas por outras facções, forçando as vítimas a transferirem dinheiro para contas de terceiros. O lucro obtido é dividido entre os envolvidos no golpe: 30% vai para o responsável pelo celular, 30% para quem aplica o golpe, 30% para o “laranja” que recebe o dinheiro, e o restante é destinado ao caixa da facção.
Aumento nos golpes no estado
O Povo de Israel tem contribuído diretamente para o aumento nos casos de golpes no Rio. Somente nos primeiros nove meses deste ano, foram registrados 109.887 casos de estelionato no estado, uma média de um a cada 3,5 minutos. É o maior número desde 2003, de acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP). No entanto, o número de extorsões se manteve estável, com 2.367 casos no mesmo período.
Expansão para o tráfico de drogas
Nos últimos anos, a facção ampliou suas operações e começou a investir em tráfico de drogas dentro do sistema prisional. Relatórios indicam que o grupo tem representantes em 13 unidades prisionais, chamadas de “aldeias”. Em setembro de 2023, por exemplo, uma carga de drogas avaliada em R$ 1,5 milhão foi apreendida no Presídio Nelson Hungria, no Complexo de Gericinó. A droga estava escondida em embalagens de quentinhas.
Durante 2023 e 2024, foram apreendidos 5.832 celulares nas prisões sob a influência do PVI, aparelhos que são essenciais para a aplicação dos golpes. A Polícia Civil também descobriu transferências suspeitas para cinco policiais penais, totalizando R$ 437 mil. Dois desses servidores foram presos por envolvimento com o tráfico de drogas dentro dos presídios.
Líder da facção condenado a 46 anos
No comando da facção está Avelino Gonçalves Lima, conhecido como Alvinho ou Vilão, preso pela primeira vez em 1999. Ele acumula nove condenações e foi sentenciado a 46 anos de prisão. Alvinho foi transferido para o sistema penitenciário federal em 2023, mas retornou ao Rio de Janeiro em agosto do mesmo ano.
A facção, apesar de agir principalmente dentro dos presídios, tem uma estrutura similar a outras grandes organizações criminosas, com liderança central e representantes em várias unidades prisionais. Relatórios apontam que Alvinho teria ordenado assassinatos de outros presos em retaliação por ameaças à sua liderança.
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) afirmou que intensificou as ações para combater as atividades ilícitas da facção, inclusive investigando policiais penais envolvidos com o grupo.
Origem da facção e suas regras
O Povo de Israel teria surgido entre 2003 e 2004, dentro do sistema prisional do Rio. Inicialmente, o grupo buscava uma unidade prisional exclusiva para presos “neutros”, aqueles que não se aliavam a outras facções. O nome da facção tem várias interpretações, sendo a mais comum a de que surgiu durante uma rebelião, quando um dos fundadores jogou uma Bíblia ao ar e ela se abriu no Livro do Êxodo.
Desde sua criação, o PVI tem atraído detentos rejeitados por outras facções, como o Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro. O estatuto da facção proíbe o uso do termo “estuprador”, adotando o eufemismo “amigo do artigo”.
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