Na natureza, o crescimento vai muito além do tempo. Muitos animais da Amazônia passam por mudanças incríveis ao amadurecer, com transformações visuais e comportamentais que os tornam quase irreconhecíveis. Essas metamorfoses são essenciais para que cada espécie encontre seu lugar na floresta e garanta sua sobrevivência.
Anta (Tapirus terrestris): do padrão listrado à discrição
Filhotes de anta nascem com um “pijama” estiloso: listras e pintinhas brancas sobre um fundo marrom-escuro. Essa pelagem serve como camuflagem entre as sombras e folhas, protegendo os pequenos de predadores. Por volta dos seis meses, o padrão desaparece, dando lugar à coloração acinzentada dos adultos.
A anta jovem também começa a explorar o ambiente e se alimentar sozinha. O filhote permanece com a mãe por 18 meses a 2 anos, até estar pronto para seguir sua vida solitária na floresta.
Rã-paradoxo (Pseudis paradoxa): do gigante ao “baixinho”
A rã-paradoxo é uma exceção à regra: seus filhotes são gigantes! Os girinos podem ultrapassar 25 centímetros de comprimento, mas os adultos medem apenas 6 a 7 centímetros. Essa redução está ligada ao estilo de vida: os girinos vivem na água e precisam de velocidade, enquanto os adultos são mais discretos e vivem entre a vegetação aquática. Apesar do tamanho reduzido, estão prontos para garantir a próxima geração de “gigantes temporários”.
Boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis): do cinza à cor encantada
O boto-cor-de-rosa, um dos símbolos da Amazônia, também muda de cor ao crescer. Filhotes nascem cinza-escuros, uma camuflagem natural nos rios turvos. Essa tonalidade protege os jovens enquanto estão sob os cuidados da mãe. Com o tempo, principalmente nos machos, a cor rosada se torna mais evidente.
A tonalidade rosada pode ser causada por diversos fatores, como a dilatação dos vasos sanguíneos, a espessura da pele e a predisposição genética. Os botos atingem a maturidade sexual por volta dos 9 anos, e os machos mais velhos e dominantes podem exibir um rosa intenso.
Gavião-real (Harpia harpyja): penas brancas de filhote, garras de predador
O gavião-real, a maior ave de rapina das Américas, nasce com penas brancas, expressão dócil e corpo desajeitado. Durante os primeiros 10 meses, os pais alimentam e protegem os filhotes, mesmo após aprenderem a voar. Com o tempo, as penas brancas são substituídas por plumagem acinzentada e preta, e o olhar se torna mais penetrante.
As garras, já afiadas, ganham força e tamanho. As harpias só se tornam sexualmente maduras entre 4 e 5 anos, tempo suficiente para aprender com os pais e desenvolver as habilidades de um predador de topo.
Na Amazônia, cada fase da vida revela uma nova versão dos animais. Das pintinhas da anta ao rosa do boto, cada transformação é uma demonstração de estratégia, adaptação e beleza. Observar essas mudanças nos mostra a dinâmica e a criatividade da natureza.
Luciana Frazão é pesquisadora na Universidade de Coimbra (Portugal), doutora em Biodiversidade e Conservação (Universidade Federal do Amazonas) e mestre em zoologia (Universidade Federal do Pará).