Em meio à agitação do Centro Histórico de Manaus, um casarão na Avenida Ramos Ferreira se destaca como um porto seguro para a infância. Há 77 anos, a Casa da Criança funciona como uma creche-escola que vai além do ensino, oferecendo assistência social e acolhimento para centenas de crianças de 2 a 5 anos de famílias de baixa renda.
A instituição é um exemplo prático da importância de espaços que garantem o desenvolvimento integral na primeira infância, um direito celebrado anualmente no Dia das Crianças. Mais do que um local de aprendizado, a creche representa para muitas famílias a segurança de ter um lugar adequado para deixar seus filhos enquanto trabalham.
Uma história de solidariedade no coração de Manaus
A trajetória da Casa da Criança começa na década de 1940, um período em que Manaus enfrentava um grande desafio social. De acordo com dados do IBGE da época, a cidade tinha cerca de 54 mil crianças de zero a nove anos que não sabiam ler nem escrever. A maioria vinha de lares onde os pais, precisando trabalhar, deixavam os filhos sozinhos em casa.
A resposta para um problema social
Sensibilizado com essa realidade, o então bispo de Manaus, Dom João da Matta Andrade e Amaral, idealizou um espaço que pudesse oferecer educação e amparo a essas crianças. Assim, a Diocese de Manaus adquiriu dois terrenos no centro da cidade para dar vida ao projeto.
A inauguração da Casa da Criança aconteceu em 1º de fevereiro de 1948, marcada por uma grande procissão. No evento, Dom João da Matta entregou a direção da obra a três Filhas da Caridade: as Irmãs Hermínia Gomes de Matos, Maria Colares Carvalho e Madalena Silva. Ciente de que o trabalho seria voluntário, o bispo fez um apelo que se tornaria a base da instituição:
“Ajudem as Irmãs nesta Obra Benemérita. Elas não têm remuneração, mas confio em vocês, que elas não passarão por grandes necessidades.”
Essa fala solidificou a solidariedade da sociedade manauara como um pilar essencial para o funcionamento da casa, uma tradição que se mantém viva até hoje.
Os primeiros passos e a educação vicentina
A instituição iniciou suas atividades com 60 crianças, que viviam em regime de internato e semi-internato. Muitas eram encaminhadas pela justiça, abandonadas na porta do local ou simplesmente passavam o dia ali enquanto seus pais trabalhavam. Além disso, a casa também acolheu jovens do interior do Amazonas que chegavam a Manaus em busca de emprego e não tinham onde morar.
As primeiras professoras aplicaram a educação vicentina, um sistema de ensino baseado em princípios católicos que valoriza a igualdade, a fraternidade e a justiça. Esse método, focado na formação religiosa e humana, continua sendo a base pedagógica da instituição.
Com o apoio da comunidade, a Casa da Criança cresceu rapidamente. Nos anos seguintes, novas instalações foram construídas para ampliar o atendimento:
- 1949: Pavilhão Dom João da Matta, destinado às meninas.
- 1950: Lavanderia.
- 1951: Pavilhão Irmã Rosalie Rendu, que funcionou como berçário para 100 crianças.
- 1952: Pavilhão Martagão Gesteira, abrigando os meninos e a cozinha.
- 1956: Capela da Medalha Milagrosa.
A Casa da Criança hoje: um porto seguro para 300 pequenos
Atualmente, a creche-escola é administrada por cinco irmãs, sob a liderança da diretora-presidente, Ir. Maria da Cruz da Conceição Silva. Cerca de 300 crianças, de 2 a 5 anos, são atendidas diariamente, das 7h às 15h30.
O foco principal, no entanto, continua sendo a assistência social, com a educação infantil atuando como um complemento fundamental.
O perfil das famílias atendidas
As crianças atendidas moram em diversos bairros de Manaus, principalmente em áreas de grande vulnerabilidade social, como as zonas Sul e Leste.
“Nossa atuação está direcionada principalmente para garantir a proteção social de crianças em situação de risco ou vulnerabilidade, promovendo acolhimento, cuidado, nutrição e segurança”, explica a diretora. “Os pais ou responsáveis são, em sua maioria, trabalhadores informais, como ambulantes, domésticas e outras categorias de baixa renda, sem condições de arcar com uma creche particular. Por isso, confiam em nossa instituição como espaço de proteção e cuidado para seus filhos”, finaliza.
A Casa da Criança em Manaus sobrevive de doações e do trabalho voluntário, honrando o apelo de seu fundador e provando que a solidariedade é capaz de transformar gerações, oferecendo um futuro com mais dignidade e oportunidades para centenas de pequenos amazonenses.
