A possibilidade de uso da inteligência artificial (IA) e da biotecnologia para fins de agroterrorismo tem gerado preocupação entre autoridades de segurança nos Estados Unidos. O caso recente de Zunyong Liu, biólogo da Universidade de Zhejiang, na China, e de sua colega Yunqing Jian, pesquisadora da Universidade de Michigan, reacendeu o debate sobre o potencial de ataques à produção de alimentos por meio de agentes patogênicos.
O caso dos pesquisadores chineses
Em julho de 2024, Liu foi detido ao desembarcar no Aeroporto Metropolitano de Detroit, com amostras de Fusarium graminearum, um fungo considerado uma potencial arma de terrorismo agrícola. A substância tem o potencial de destruir colheitas e contaminar animais e humanos. Inicialmente, Liu alegou estar visitando sua namorada, mas posteriormente admitiu ter escondido as amostras para cloná-las e utilizá-las em experimentos.
Investigações revelaram que o celular de Liu continha literatura sobre “guerra com patógenos vegetais” e conversas com Jian indicando planos de contrabando. Jian, patrocinada pelo governo chinês e pesquisadora do mesmo patógeno, também foi acusada de conspiração, contrabando e falso testemunho. Enquanto Liu foi deportado para a China, Jian permanece detida aguardando audiência.
Precedentes e alertas
Em 2020, diversos estados americanos já haviam recebido pacotes com sementes de espécies invasoras provenientes da China, levantando suspeitas de sabotagem agrícola. A preocupação atual é que o que começou como intercâmbio científico possa ser parte de uma estratégia para enfraquecer a agricultura americana, suscitando “sérias preocupações com a segurança nacional”.
Embora o Fusarium graminearum já seja naturalmente presente nos EUA, a manipulação genética do fungo poderia criar uma variante resistente a tratamentos, representando um perigo ainda maior.
A IA como ferramenta de risco
Além do contrabando, a otimização de organismos nocivos com a ajuda da biologia sintética e da IA representa uma nova fronteira de risco. Cientistas alertam que as ferramentas para alterar fungos, vírus e proteínas tóxicas podem ser utilizadas tanto para fins benéficos, como o desenvolvimento de vacinas, quanto para fins bélicos.
“A engenharia de proteínas é uma pesquisa de mão dupla. Ela pode ter efeitos extremamente positivos, mas também pode ser utilizada para o desenvolvimento de armas biológicas”, afirma Birte Platow, professora da Universidade Técnica de Dresden.
Estudos recentes indicam que modelos de IA podem gerar variantes proteicas perigosas que escapam aos sistemas de controle convencionais, dificultando a avaliação de riscos.
Lacunas na segurança global
A falta de regulamentações internacionais vinculativas e de órgãos de controle independentes dificulta o monitoramento e a prevenção de atividades relacionadas ao agroterrorismo. A Convenção para a Proibição de Armas Biológicas e Toxínicas proíbe o desenvolvimento de armas biológicas, mas não possui mecanismos de verificação eficazes.
Iniciativas regionais, como a Lei de IA da União Europeia, regulamentam o uso de sistemas de IA de alto risco, mas são limitadas ao bloco europeu. A comunidade científica e as empresas dependem de códigos de ética e compromissos voluntários, cuja eficácia é questionável.